Mais uma viagem se aproxima. A mala aguarda para ser novamente usada. Mas dessa vez é diferente. É o último compromisso do ano. Daqueles que são feitos na virada, em pleno reveillon - e um dos poucos que faltam para completar o sentimento de ter alcançado a maioria dos objetivos prometidos.
É um sentimento estranho esse, de "cumprir metas". Nunca achei que o objetivo da vida fosse isso: vencer etapas, ir para o próximo nível, etc. Mas às vezes, a vida toma essa direção. O fazer e desfazer das malas lembra agenda, compromissos cumpridos, check-list. Mas é aí que entram os livros e, nesse post especial, as músicas: dão outra cor ao cotidiano, ao simples ato de cumprir tarefas sequencialmente. São lembretes de humanidade pois despertam sentimentos - exatamente como na letra da primeira música, Brand New, do álbum Bags&Suitcases de Sabrina Starke:
"The little things that go unnoticed
the words in between
these familiar, familiar feelings"
Assim, enquanto não escrevo um post sobre livros, ainda o tema principal desse blog, compartilho a trilha sonora que tem sido companheira nas andanças por aí... E espero que gostem!
http://www.myspace.com/sabrinastarke
domingo, 27 de novembro de 2011
domingo, 23 de outubro de 2011
Bagagem
Mais uma viagem. Outra mala. Mais alguns livros.
Essa têm sido a rotina desde meados de agosto. É por isso que esse espaço está (aparentemente) abandonado. Na verdade, todos os deslocamentos me tem feito pensar, como nunca, sobre a vida e os caminhos que percorremos. A espera em aeroportos ou rodoviárias seria muito mais desgastante não fosse a companhia dos amigos– e na ausência desses, dos livros.
Entendam: não estou reclamando de viajar. Pelo contrário, têm sido uma grande oportunidade para refletir. “As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.” Não achei que esses versos de Fernando Pessoa, escritos na folha de rosto da agenda no começo do ano, seriam tão premonitórios.
Por que tantas viagens? Algumas, o motivo de sempre: visitar a família. Outras, um trabalho que acaba levando à lugares inéditos, contato com pessoas diferentes. Como disse uma amiga, ando um pouco jet-setter. A questão é que sempre voltamos diferente de uma viagem, quando nos dispomos a ver o outro. Talvez por isso esse post tenha uma característica mais introspectiva. Como canta Milton Nascimento, “Viajar, no fundo, é ver que é igual / O drama que mora em cada um de nós.”
Ver o outro – e a partir dele, enxergar a si mesmo. Acredito que esse seja o estranhamento provocado no contato com outras culturas. Em um primeiro momento, procuramos o que é parecido, para diminuir a sensação de estrangeiro. Mas depois, quando aceitamos as diferenças, é que a verdadeira experiência de viajar acontece. Experiência, como diz Jorge Larossa Bondía, é estar aberto para o que outro tem a nos mostrar e ensinar. E quem sabe, carregar isso por aí.
Ao sair de casa e ir para outro lugar, sou convidada (ou seria forçada?) a olhar para o que deixo pra trás – e para o que carrego comigo. Um amigo esses dias fez um comentário sobre certa fascinação das mulheres: “Eu não entendo essa tara por bolsas...” Acho que esse interesse feminino revela algo mais sutil. No fundo, procuramos a bolsa/mochila/mala capaz de carregar tudo que julgamos importante naquele momento. Por isso elas existem em diversos tamanhos e formatos: para se adequarem às nossas necessidades.
Mas o que é realmente necessário? Talvez, o tamanho da bolsa mostre uma certa incapacidade de seleção. Às vezes estamos, literalmente, carregando o mundo nas costas. Rodoviárias, aeroportos, pontos de ônibus – lugares de transição para outros destinos – são ótimos para perceber essa dinâmica. O apego material salta aos olhos. Não há nada tão desesperador quanto perceber que sua mala foi extraviada.
Bagagem é o nome do primeiro livro de Adélia Prado, poetisa de Divinópolis-MG (carinhosamente, minha cidade natal). Desde que me entendo por gente, versos de Adélia estão presentes em minha vida. Mas foi a partir de julho, quando ganhei um exemplar com uma linda dedicatória, é que suas palavras fizeram sentido pra mim. Na própria orelha do livro, a autora diz: “Bagagem era o que resumia, para mim, aquilo que não posso deixar ou esquecer em casa.”
O que dizer depois? Com a(s) palavra(s), Adélia Prado, no poema que abre o livro:
Com Licença Poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Essa têm sido a rotina desde meados de agosto. É por isso que esse espaço está (aparentemente) abandonado. Na verdade, todos os deslocamentos me tem feito pensar, como nunca, sobre a vida e os caminhos que percorremos. A espera em aeroportos ou rodoviárias seria muito mais desgastante não fosse a companhia dos amigos– e na ausência desses, dos livros.
Entendam: não estou reclamando de viajar. Pelo contrário, têm sido uma grande oportunidade para refletir. “As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.” Não achei que esses versos de Fernando Pessoa, escritos na folha de rosto da agenda no começo do ano, seriam tão premonitórios.
Por que tantas viagens? Algumas, o motivo de sempre: visitar a família. Outras, um trabalho que acaba levando à lugares inéditos, contato com pessoas diferentes. Como disse uma amiga, ando um pouco jet-setter. A questão é que sempre voltamos diferente de uma viagem, quando nos dispomos a ver o outro. Talvez por isso esse post tenha uma característica mais introspectiva. Como canta Milton Nascimento, “Viajar, no fundo, é ver que é igual / O drama que mora em cada um de nós.”
Ver o outro – e a partir dele, enxergar a si mesmo. Acredito que esse seja o estranhamento provocado no contato com outras culturas. Em um primeiro momento, procuramos o que é parecido, para diminuir a sensação de estrangeiro. Mas depois, quando aceitamos as diferenças, é que a verdadeira experiência de viajar acontece. Experiência, como diz Jorge Larossa Bondía, é estar aberto para o que outro tem a nos mostrar e ensinar. E quem sabe, carregar isso por aí.
Ao sair de casa e ir para outro lugar, sou convidada (ou seria forçada?) a olhar para o que deixo pra trás – e para o que carrego comigo. Um amigo esses dias fez um comentário sobre certa fascinação das mulheres: “Eu não entendo essa tara por bolsas...” Acho que esse interesse feminino revela algo mais sutil. No fundo, procuramos a bolsa/mochila/mala capaz de carregar tudo que julgamos importante naquele momento. Por isso elas existem em diversos tamanhos e formatos: para se adequarem às nossas necessidades.
Mas o que é realmente necessário? Talvez, o tamanho da bolsa mostre uma certa incapacidade de seleção. Às vezes estamos, literalmente, carregando o mundo nas costas. Rodoviárias, aeroportos, pontos de ônibus – lugares de transição para outros destinos – são ótimos para perceber essa dinâmica. O apego material salta aos olhos. Não há nada tão desesperador quanto perceber que sua mala foi extraviada.
Bagagem é o nome do primeiro livro de Adélia Prado, poetisa de Divinópolis-MG (carinhosamente, minha cidade natal). Desde que me entendo por gente, versos de Adélia estão presentes em minha vida. Mas foi a partir de julho, quando ganhei um exemplar com uma linda dedicatória, é que suas palavras fizeram sentido pra mim. Na própria orelha do livro, a autora diz: “Bagagem era o que resumia, para mim, aquilo que não posso deixar ou esquecer em casa.”
O que dizer depois? Com a(s) palavra(s), Adélia Prado, no poema que abre o livro:
Com Licença Poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
domingo, 25 de setembro de 2011
Enquanto o próximo post não vem...
Mando então algo que li esses dias (naquelas leituras "privadas", sabem?) que lembrou a relação "promíscua" que mantenho com meus livros.
Alguns acharão inapropriado e até mesmo indecente o trecho abaixo.
Mas nesse relacionamento, os livros são alvo de amor e desejo...
"Eu preciso pegar para gostar. Tocar. Sentir o cheiro. Apertar contra o peito. Eu levo o livro pra cama e quase transo com ele. Quando acordo e o vejo deitado ao meu lado, adormecido sobre a mesinha de cabeceira, fico tentada a sorrir e perguntar se foi bom para ele também. Para mim sempre é ótimo. E ele não exige fidelidade. Espalhados pela casa, acolho milhares de outros livros de diversos tamanhos, uns mais sérios, outros mais divertidos, uns amores para quem eu sempre volto, outros amores de uma noite só. Livros profundos, livros leves, livros retangulares, livros de bolso, uns apenas decorativos, outros essenciais. Todos pulsando. Têm temperatura, têm marcas da didade, têm dedicatórias e anotações nas margens. São seres vivos."
Medeiros, Marta. "Sexo sem amor". In: Non-stop. Porto Alegre: L&PM, 2008.
Alguns acharão inapropriado e até mesmo indecente o trecho abaixo.
Mas nesse relacionamento, os livros são alvo de amor e desejo...
"Eu preciso pegar para gostar. Tocar. Sentir o cheiro. Apertar contra o peito. Eu levo o livro pra cama e quase transo com ele. Quando acordo e o vejo deitado ao meu lado, adormecido sobre a mesinha de cabeceira, fico tentada a sorrir e perguntar se foi bom para ele também. Para mim sempre é ótimo. E ele não exige fidelidade. Espalhados pela casa, acolho milhares de outros livros de diversos tamanhos, uns mais sérios, outros mais divertidos, uns amores para quem eu sempre volto, outros amores de uma noite só. Livros profundos, livros leves, livros retangulares, livros de bolso, uns apenas decorativos, outros essenciais. Todos pulsando. Têm temperatura, têm marcas da didade, têm dedicatórias e anotações nas margens. São seres vivos."
Medeiros, Marta. "Sexo sem amor". In: Non-stop. Porto Alegre: L&PM, 2008.
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
Leveza
“Tem gente que vem pro mundo de caminhão e tem gente que vem de bicicleta. Eu sou da turma da bicicleta.” É com essa frase de Conceição, dona de um salão de beleza, que Leila Ferreira começa seu livro A Arte de Ser Leve. A metáfora serve para mostrar o peso daquilo que carregamos vida a fora, e como deveríamos, às vezes, levar menos coisas. A própria autora admite que está na turma “das carretas com excesso de carga”. Eu, quando li essa frase, pensei logo num caminhão-baú: quem quiser roubar a carga, vai ter que levar todo o conjunto.
O livro fala como que gentileza, bom humor, descomplicação, desaceleração e convivência, são fundamentais para uma vida mais leve, deixando o mundo “menos opaco, menos pesado, menos inerte”. Conseguir leveza na vida é um exercício constante, de se sentir melhor consigo mesmo, internamente – e não nas aparências, como muitos o fazem. Aliás, Leila atenta para esse perigo, “de emagrecer o corpo e ficar com obesidade mórbida de espírito.”
Uma vez terminada a leitura do livro, ele retornou à estante (deslocamento espacial que mencionei no post anterior). Ou pelo menos, era essa a intenção. Entre o banheiro e seus companheiros, acabou por fazer uma parada na mesa da cozinha – móvel muito significativo. Pra mim, o lugar das refeições é o mais importante de uma casa. Onde se preparam os alimentos é que a energia circula. Não à toa, as conversas, reuniões e decisões de família acontecem ao redor da mesa da cozinha. No meu caso, aquela mesa de café mineiro, com bolo, rosca, broa, queijo...
Assim, ele agora está dividindo o espaço com outros textos e coisas importantes, que precisam estar à mão. Há alguns dias, pensei em devolvê-lo à minha mãe, dona original, e então comecei a separar outros livros que julguei poderiam ser mandados para o endereço mineiro. Dos livros de história, tenho agora comigo só aqueles que considero necessários à pesquisa. Mas mantive por perto alguns de literatura que me são caros (poemas e contos, em sua maioria). Conclusão: ganhei o espaço de uma prateleira para livros, e a mala de viagem cheia deles.
Foi nesse momento que lembrei da leveza que fala Leila Ferreira. E por fim, acabei deixando o livro à mão. Vira e mexe, leio um capítulo ou outro, e fico pensando em tudo que tenho carregado (material e afetivamente) vida a fora, fruto de escolhas conscientes ou não. Penso no tamanho, e principalmente no conteúdo, dessa bagagem. Em como a limitação de peso das companhias aéreas é o que impede de carregarmos mais que o necessário. E em como minha mala de viagem sempre volta cheia apesar de ir quase vazia. Dessa última volta para casa, fui cheia de livros. Voltei só com um.
domingo, 10 de julho de 2011
Numa Sentada
Em um comentário ao primeiro post, meu amigo Tiago Gil pediu: “Escreve sobre contos curtos! tipo Edgar Alan Poe, minha paixao, ou Veríssimo... São livros que dá pra ler em uma sentada ( no vaso).” Sendo assim, aqui estou, atendendo pedidos da minha audiência.
Porém, não exatamente do jeito que foi pedido. Esse post não vai falar sobre contos – um dos meus gêneros favoritos também. Resolvi me concentrar em um detalhe da segunda parte do comentário: sobre os livros que dá pra ler em uma sentada no vaso.
Existem livros que se lêem numa sentada. Isto é, a leitura flui de uma maneira tão prazerosa que não vemos o tempo passar. A gente se senta e quando vê, já acabou. Pode ser um romance, crônicas, poesia ou os tais contos. Quando o assunto nos interessa e é bem escrito, estão dadas as condições para ler “de uma tacada só” – outra expressão idiomática para isso.
Mas existem alguns livros que a gente lê literalmente sentado no vaso. É isso mesmo: dentro do banheiro. O mais comum é encontrarmos revistas, geralmente alguma cujo dono da casa assine ou compre com regularidade Procurando bem, podemos até encontrar umas “educativas”, se é que me entendem (não tenho nada contra, que fique claro).
Porém, algumas pessoas (dentre elas eu) têm esse costume, de ter livros no banheiro. Na casa dos meus pais, existe um azulejo pendurado do lado de fora, onde se lê “banheiro não é biblioteca”. Felizmente, o intercâmbio entre esses dois cômodos sempre foi intenso.
Eu acabei por adotar esse hábito, aprofundando-o. Nunca tenho só um livro. Desenvolvi uma separação tipológica para os “livros para ler em uma sentada” – e descobri que meus favoritos são os de crônicas. Sempre tem uma compilação de um autor que escreva regularmente para jornais ou revistas. E também alguém reconhecido em outro genêro, mas que se aventurou por esse terreno.
Acontece que, justamente como aquilo que fazemos no banheiro, uma hora o livro acaba. E foi justamente o último livro que saiu do meu toilette que motivou esse post: A Arte de Ser Leve, de Leila Ferreira. Já conhecia a autora desde seu outro livro – “Mulheres, por que será que elas... ?”. E logo que vi esse já levei-o para a seção “reservados”.
É um livro delicioso, com capítulos curtos, agrupados em seis eixos temáticos, além de uma apresentação e as considerações finais. Os detalhes e as reflexões que ele provocou, vou falar com mais vagar nos próximos posts. Por ora, basta dizer que ele me ajudou a perceber que a vida deve ser vivida com leveza, ou então ficamos muito “enfezados” – e pensando no lugar onde o lia, acho que ele me ajudou até literalmente.
sábado, 11 de junho de 2011
Cozinha e Biblioteca
Esses dias frios e chuvosos têm me obrigado a ficar mais em casa. O que significa muitas vezes fazer o próprio almoço ou jantar – café da manhã não existe como opção de refeição externa. E ao ir para o fogão, muitas vezes levo meus cadernos de receita comigo.
No meu caso, a cozinha é uma extensão da área de estudo/trabalho. Espacialmente, eu diria que são contíguas. Mas é bem mais que isso. Sempre que preciso clarear as idéias, pensar em algum ponto específico, ou mesmo refletir sobre o texto que acabo de ler, vou para cozinha..
Cozinhar pra mim é terapêutico. O primeiro passo, é escolher uma receita que combina com meu humor no dia. Do mesmo jeito que para escrever sobre o tema A, estava lendo o livro B. À medida que vou executando o passo a passo da receita, penso nos argumentos que o autor escolhe para corroborar sua ideia, na ordem que ele os apresenta no texto – como os ingredientes de uma receita, alguns argumentos podem ter a ordem trocada, outros não.
Se é uma receita que vai ao forno, como um bolo por exemplo, comparo a duração do cozimento com o tempo que o autor levou para elaborar suas idéias. Não se faz um bolo sem antes saber como fritar um ovo. Marc Bloch não teria escrito “Apologia da História” se não tivesse pensado antes “Os Reis Taumaturgos”. É preciso cumprir etapas, amadurecer no ofício – tanto na cozinha quanto na vida acadêmica.
Na caixa de livros que ganhei, mencionada no post anterior, vieram 2 exemplares da coleção “Cozinha do mundo”, da Editora Abril: Espanha e China. Claro, são países que adoraria conhecer. Mas o que me chamou a atenção é que alguns pratos de sua culinária, como a paella e o yakissoba, se tornaram tão populares graças aos imigrantes, que não sabemos mais como eram feitos originalmente.
Os livros de culinária muitas vezes se prestam à esse serviço: registrar como um prato é feito em seu formato original. Claro que variações sempre serão possíveis. Afinal, é só um registro passo a passo, e não um limitador de sua execução. E acho que essa é a grande diferença entre eles e os cadernos de receita.
Ano passado, no Seminário de História do Açúcar, assisti uma comunicação em que as fontes da pesquisadora eram os cadernos de receita de famílias tradicionais de Campinas, guardados no arquivo da Unicamp. Ela mostrava como, através das receitas, podemos reconstruir o cotidiano das famílias, seus hábitos alimentares, e até o poder de consumo. À época, fiquei muito impressionada, e ainda me espanto, em como a História pode ser interessante quando se volta para elementos do cotidiano, transformando-os em seus objetos de estudos (o que foi chamado de “renovação das fontes)
Meus cadernos de receita foram um presente da mãe de uma amiga muito querida. Segundo ela, todas as moças deveriam ter um. No meu caso, um para doces e outro para salgados. Além dos cadernos, ela acrescentou algumas receitas suas, escritas de punho próprio (o que considero o verdadeiro presente!). Por saber das minhas “condições de trabalho doméstico”, nenhuma das receitas necessita batedeira ou fritura. E todas permitem muitas variações.
Em 2010, também ganhei outro presente muito especial: as receitas de minha avó. Fui pedir uma, e saí com todas. Ganhei o exemplar datilografado, pois ela agora tem um impresso feito no word, cuja consulta e leitura são mais fáceis – mas é claro que ainda guarda a cópia manuscrita. O encadeamento das receitas revelou algo interessante: ingredientes que não são usados em uma, servem na outra. Exemplo: gemas de ovos na primeira, clara em neve na segunda. Fiquei pensando o quanto isso não acontece academicamente: não exploramos tudo que a pesquisa permite, porque depois tem o doutorado, o pós-doc ou a livre-docência. Isso, claro, sem levar em conta os prazos (que no fundo são os grandes limitadores).
Mas acho, para concluir, que tanto a literatura quanto a culinária compartilham de um ingrediente especial: a criatividade. Às vezes os melhores pratos são uma invenção do momento. E aquele livro que parece ruim no começo, termina surpreendente. No fim, não existe receita para dar certo. É preciso fazer mesmo.
sexta-feira, 3 de junho de 2011
Caminhos e Percursos
Tenho pensado muito nos caminhos que os livros percorrem. Por onde cada exemplar passa, a história que ao longo do tempo ele acumula. Desde sua impressão, venda, tudo que acontece com um livro ao longo de sua existência – sim, porque como todas as coisas, eles também são perecíveis.
Também ando refletindo sobre o lugar dos leitores nesse "tempo de vida" literário.
“Caminho” dá uma ideia de direção inicial-final: o caminho entre minha casa e a USP – a(s) rota(s) que devo seguir para chegar ao meu destino. Já “Percurso” tem a ver com o ato do deslocamento: no percurso até a USP, passo pelo Arquivo Geral da Universidade.
Ambos me lembram Guimarães Rosa: “O real não está na saída nem na chegada: ele se põe pra a gente é no meio da travessia”.
Os leitores são parte da história de um livro. Eles explicam até mesmo sua existência.
Um dia cheguei à faculdade e um amigo me propôs: “vai fazer alguma coisa nas próximas horas?” Junto com outra amiga (não, não foi um menàge à trois) passamos a tarde retirando exemplares da biblioteca que continham anotações de cunho próprio, na última página, de um antigo professor. Essas observações manuscritas ajudaram-no em sua pesquisa.
Eu me pergunto: o que seriam, se não vestígios de quem leu aqueles livros?
Essa semana ganhei duas caixas de livros. Foram da mãe de uma amiga que faleceu recentemente. Era professora de História, especialista em História da Arte. Pela carga simbólica que representam, seria difícil conviver com eles. São livros sobre vários assuntos, a maioria com observações pessoais, e até mesmo dedicatórias.
As caixas continham livros didáticos, que infelizmente não me serão úteis; a coleção “Mestres da Pintura” e “Grandes Civilizações”, que viajarão em breve. E aquela que agora enfeita minha estante: a História Geral da Civilização Brasileira.
No total são 11 volumes, dos quais agora possuo 9. Nas caixas estavam do 3º ao 9º (sem o 8º). Curiosamente, há alguns meses ganhei de uma pessoa muito querida o 1º e 2º volumes. Assim, minha coleção semi-completa foi feita de doações de diferentes pessoas, por diferentes motivos. E mesmo que de uma maneira tortuosa, esses exemplares agora se encontram reunidos.
O que mostra que o destino sabe ser capcioso, até mesmo com os livros.
quarta-feira, 1 de junho de 2011
Uma Primeira Observação
Este blog é sobre livros.
Em algum momento, invariavelmente, ele será também um blog sobre literatura – quando eu fizer comentários sobre a história de um livro, algum personagem, ou como tal enredo me provocou a pensar sobre determinado assunto. Enfim, quando a análise for do conteúdo.
Mas por enquanto, o que eu quero é escrever sobre o objeto-livro. Esse aglomerado de páginas impressas, de diversos tamanhos e formatos, que ocupa um espaço considerável nos lugares por onde circulo.
No fundo, esse blog é um exercício de auto-conhecimento.
Uma amiga definiu isso de uma forma que eu não conseguiria fazer melhor: “o que é a história de um objeto, senão a história do valor e do sentido que atribuímos a ele? Conhecer a história de uma coisa, de um livro por exemplo, é uma forma dialética de conhecendo o "outro", conhecermos nós mesmos.”
Assim, entendo que minha relação com livros é um reflexo das escolhas que tenho feito. Ao pensar sobre eles, estou na verdade usando-os para pensar sobre mim. Eles são o meio que, nesse espaço, utilizo para refletir sobre a vida. A partir deles pensar: "por que?"
Entendam: o objetivo não é fazer um diário e chorar as mágoas, como preveniram nos comentários. É pensar o caminho se faz ao escolher esta ou aquela opção.
Entendam: o objetivo não é fazer um diário e chorar as mágoas, como preveniram nos comentários. É pensar o caminho se faz ao escolher esta ou aquela opção.
Acontece que mesmo nessas horas, estou sempre acompanhada – por um bom livro, claro.
quinta-feira, 26 de maio de 2011
Percursos Literários
Que caminhos um livro percorre até chegar às nossas mãos?
Não digo a história, sua elaboração, tudo que o autor vive antes, durante ou depois da escrita. Esses questionamentos merecem um post à parte, quem sabe futuramente.
Me refiro ao exemplar em si. Por onde andou o livro que agora estou lendo?
Se é um livro que acabei de comprar, quem o folheou antes? Será que alguém chegou a pensar em comprá-lo, mas desistiu? Quando pegamos um livro emprestado, são muitas as possibilidades– com quem ele esteve antes, se gostou ou não da leitura, e por que pegou emprestado. Se o livro é da biblioteca, vamos ao infinito! Quem o pegou antes? Pra quê? Como ele chegou à biblioteca? Quem foi insensível o bastante para riscar suas páginas?
O último romance que li despertou em mim essas perguntas. Acho que os livros têm trajetórias próprias, e acredito até em um tipo de destino que eles teriam que cumprir. Ou de que outro modo explicar aquela poesia que lemos por acaso no começo do namoro, ou mesmo durante a pesquisa, que algo nos diz para entrar naquela fileira de estantes da biblioteca e encontramos “O” autor?
Pois bem. Tinha ido almoçar com uma amiga a quem devia uma visita não era de hoje. A oportunidade surgiu, e lá fui eu conhecer sua casa. Foi um domingo cinzento, bem o clima de nossos humores. Era como se Djavan estivesse cantando para nós: um dia triste, um bom lugar pra ler um livro...
Historiadores são seres curiosos por livros. Quando conhecemos a casa de alguém, é claro que fazemos o percurso tradicional: começamos pela sala, cozinha, depois o quarto. Mas invariavelmente queremos ver a biblioteca – seja ela uma estante solitária em algum ponto da casa, ou um cômodo a parte, sonho de consumo de todos.
Assim, ao parar e ver os livros da minha amiga, eis que ela retira alguns da estante, que seriam meu,s e os devolve. Devo confessar que minha relação com empréstimos de livros é oscilante. Os mais preciosos não saem de jeito nenhum, enquanto que outros podem ir voltar sem que eu perceba. Dos que estavam com ela, alguns eu lembrava de ter emprestado. Outros não. Esse romance era um deles.
Chama-se A Campanha, de Carlos Fuentes. Quando estava no colégio, li Aura, do mesmo autor. Mas não lembrava de ter lido esse. E também não sabia por que o havia comprado. Minha amiga contou que estava com ela desde que tínhamos estudado História da América Independente. Fazia tempo, mas nunca é tarde para um ler.
Comecei a lê-lo e agora, depois de terminar, fiquei encantada. Mas não conseguia parar de pensar “como esse livro é meu?” E foi então que reparei com mais cuidado no exemplar.
Ele tem as páginas da parte de cima um pouco manchadas. O início daquele cheiro característico que os livros vão adquirindo com o tempo. Tem também aquelas ondulações típicas de quando eles ficam compactados na estante. E o mais importante, que levou à solução do mistério: é de 1996.
Eu não teria como comprar esse livro nesse ano. Sem querer entregar minha idade, eu era então uma criança. Originalmente, foi publicado em 1990, com a primeira edição brasileira pela Rocco em 1996 (esse é o meu exemplar). Nessa época, minha mãe viajava anualmente (ou quase) ao Rio de Janeiro, para um congresso sobre Processo Civil. A Rocco é uma editora carioca. Voilà!
O livro deve ter sido comprado por ela, e não sei se chegou a lê-lo. Quando estava na graduação, devo tê-lo pego para fazer algum trabalho, mas acabei escolhendo outro tema e autor, e então o emprestei. Essas são conjecturas que me levaram a refletir sobre seu retorno agora, depois de ter estudado o processo de independência da América Espanhola – tema do livro – e de ter viajado à Buenos Aires em fevereiro – justo onde a história começa.
quarta-feira, 25 de maio de 2011
À Guisa de Introdução...
Tenho um amigo que escreve sobre filmes.
Outro, sobre as corridas e provas que participa.
Meu irmão, sobre rodas e possibilidades...
Eu resolvi escrever sobre livros.
Livros são a minha paixão.
Um caso antigo, que começou antes da alfabetização. Via minha mãe lendo, passando as tardes na rede do sítio. Pensava “isso deve ser muito bom pra alguém fazer por horas né?”
Achava que ela estava triste, pois pra mim a rede era pra brincar, balançar o mais alto que conseguisse. Engano meu. Só depois fui entender, como diz Mário Quintana, que “o livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado”.
Sempre gostei de ver estantes cheias de livros. As diferentes cores, tamanhos e grafias nas lombadas. É a estética da beleza literária (não sei se essa expressão existe ou acabei de inventar.) Acho agradável aos olhos, como uma pintura ou escultura. Organizar livros é um ato métodico e rigoroso. Mas o resultado, pra mim, é uma obra de arte.
Isso sem falar na parte sensorial: sons e cheiros de quando folheamos um livro. Sou a favor das novas tecnologias, leio no computador (em pdf), apóio a digitalização dos livros pelo Google, e confesso até estar com uma invejinha de um amigo que vai ganhar um Kindle. Mas sei que até ele gosta do exemplar impresso. Livrarias e bibliotecas são minha 2ª casa.
Assinar:
Postagens (Atom)