Esses dias frios e chuvosos têm me obrigado a ficar mais em casa. O que significa muitas vezes fazer o próprio almoço ou jantar – café da manhã não existe como opção de refeição externa. E ao ir para o fogão, muitas vezes levo meus cadernos de receita comigo.
No meu caso, a cozinha é uma extensão da área de estudo/trabalho. Espacialmente, eu diria que são contíguas. Mas é bem mais que isso. Sempre que preciso clarear as idéias, pensar em algum ponto específico, ou mesmo refletir sobre o texto que acabo de ler, vou para cozinha..
Cozinhar pra mim é terapêutico. O primeiro passo, é escolher uma receita que combina com meu humor no dia. Do mesmo jeito que para escrever sobre o tema A, estava lendo o livro B. À medida que vou executando o passo a passo da receita, penso nos argumentos que o autor escolhe para corroborar sua ideia, na ordem que ele os apresenta no texto – como os ingredientes de uma receita, alguns argumentos podem ter a ordem trocada, outros não.
Se é uma receita que vai ao forno, como um bolo por exemplo, comparo a duração do cozimento com o tempo que o autor levou para elaborar suas idéias. Não se faz um bolo sem antes saber como fritar um ovo. Marc Bloch não teria escrito “Apologia da História” se não tivesse pensado antes “Os Reis Taumaturgos”. É preciso cumprir etapas, amadurecer no ofício – tanto na cozinha quanto na vida acadêmica.
Na caixa de livros que ganhei, mencionada no post anterior, vieram 2 exemplares da coleção “Cozinha do mundo”, da Editora Abril: Espanha e China. Claro, são países que adoraria conhecer. Mas o que me chamou a atenção é que alguns pratos de sua culinária, como a paella e o yakissoba, se tornaram tão populares graças aos imigrantes, que não sabemos mais como eram feitos originalmente.
Os livros de culinária muitas vezes se prestam à esse serviço: registrar como um prato é feito em seu formato original. Claro que variações sempre serão possíveis. Afinal, é só um registro passo a passo, e não um limitador de sua execução. E acho que essa é a grande diferença entre eles e os cadernos de receita.
Ano passado, no Seminário de História do Açúcar, assisti uma comunicação em que as fontes da pesquisadora eram os cadernos de receita de famílias tradicionais de Campinas, guardados no arquivo da Unicamp. Ela mostrava como, através das receitas, podemos reconstruir o cotidiano das famílias, seus hábitos alimentares, e até o poder de consumo. À época, fiquei muito impressionada, e ainda me espanto, em como a História pode ser interessante quando se volta para elementos do cotidiano, transformando-os em seus objetos de estudos (o que foi chamado de “renovação das fontes)
Meus cadernos de receita foram um presente da mãe de uma amiga muito querida. Segundo ela, todas as moças deveriam ter um. No meu caso, um para doces e outro para salgados. Além dos cadernos, ela acrescentou algumas receitas suas, escritas de punho próprio (o que considero o verdadeiro presente!). Por saber das minhas “condições de trabalho doméstico”, nenhuma das receitas necessita batedeira ou fritura. E todas permitem muitas variações.
Em 2010, também ganhei outro presente muito especial: as receitas de minha avó. Fui pedir uma, e saí com todas. Ganhei o exemplar datilografado, pois ela agora tem um impresso feito no word, cuja consulta e leitura são mais fáceis – mas é claro que ainda guarda a cópia manuscrita. O encadeamento das receitas revelou algo interessante: ingredientes que não são usados em uma, servem na outra. Exemplo: gemas de ovos na primeira, clara em neve na segunda. Fiquei pensando o quanto isso não acontece academicamente: não exploramos tudo que a pesquisa permite, porque depois tem o doutorado, o pós-doc ou a livre-docência. Isso, claro, sem levar em conta os prazos (que no fundo são os grandes limitadores).
Mas acho, para concluir, que tanto a literatura quanto a culinária compartilham de um ingrediente especial: a criatividade. Às vezes os melhores pratos são uma invenção do momento. E aquele livro que parece ruim no começo, termina surpreendente. No fim, não existe receita para dar certo. É preciso fazer mesmo.
Oi, Lorena. Achei legal a sua postagem. Eu também compartilho o interesse que você tem pela culinária, mas confesso que nunca tinha pensado muito nas relações entre a culinária e a atividade acadêmica. Sim, enquanto eu cozinho eu também penso em algumas coisas, mas nada tão sistemático, deixo as ideias fluirem mesmo. Para mim é uma atividade relaxante, que faço quando quero e de preferência cozinhando aqueles pratos que me agradam, exceto quando estou cozinhando para compartilhar com outras pessoas. De fato, livros de receitas poderiam gerar boas fontes para a história do cotidiano, ou mesmo da vida privada.
ResponderExcluirTambém compartilho o interesse pela culinária, mas me coloco quase sempre (100% das vezes) na posição de cobaia ou degustador (mais formal).
ResponderExcluir...Alguém tem que fazer o trabalho sujo, para um outro alguém ter que limpar!
Muito legal o post, Lo!
ResponderExcluirE que invejinha branca da bela caixa de livros que você ganhou!
Beijos!
Mi