Há 15 dias eu apresentava minha
comunicação oral em um Simpósio Temático da ANPUH (Associação Nacional de
História), na UnB. E esse foi o livro que viajou comigo para a capital. Mas já
fazia tempo que “Anatomia de um instante” andava na minha bolsa. Eu nunca sei
dizer ao certo quanto tempo demoro para ler um romance, se faz uma semana ou um
mês que ele está andando comigo (claro, existem exceções). Mas nesse caso, aconteceu
um detalhe curioso: posso afirmar com exatidão o dia em que esse livro foi para
minha estante – 12 de dezembro de 2012.
A data correta – e quase
cabalística – consegui rastrear por causa das redes sociais. Neste dia, fui à
14ª Festa do Livro da USP, e adquiri 4 livros. Esse foi um deles. Pelas datas,
dá para perceber o tempo que demorei para ler este que foi considerado um dos
melhores livros de 2011 pelo The
Economist, e o melhor livro do ano pelos jornais espanhóis El País e El Mundo. Eu demorei mais de 4 anos para finalmente lê-lo, mas o timing não podia ser outro: a história
de um golpe sendo lida no momento de outro golpe. E com o detalhe de, por uma
semana, visitar Brasília, o cenário de um deles.
Esse livro fala do golpe de
estado espanhol de 23 de fevereiro de 1981. Quantos de nós conhecemos ou
ouvimos falar sobre ele? Eu aposto que poucos. Muito poucos. A leitura desse
livro me instigou a conhecer mais da história contemporânea da Espanha. Na
verdade, ele me obrigou a pesquisar e me informar para conseguir entender tudo
que era descrito. E me fez lembrar de um episódio das minhas aulas de espanhol
quando era adolescente. Em uma delas, quando a professora mostrou uma foto do
Rei Juan Carlos, eu perguntei: “mas pra quê serve a monarquia na Espanha? O que
esse Rei faz”? E ela então me respondeu: “a monarquia na Espanha é muito
importante. Esse Rei evitou um golpe”.
Sim, o último golpe do estado
espanhol, que tentava se tornar democrático e republicano depois da ditadura do
General Franco. Que, na história da Espanha – repleta de golpes de estado – foi
o único a ser filmado e transmitido pela TV. E que para o autor, até a publicação
de “Anatomia de um instante” em 2010, era o único na história registrado pela
televisão. Até o Impeachment da Presidente Dilma.
Porque em 17 de abril de 2016 nós
vimos um golpe de estado ser transmitido pela TV. Em 31 de agosto de 2016 nós
vimos esse golpe ser reforçado pela TV. Até então, a Espanha tinha conseguido
ser o único país do mundo a ter registrado em áudiovisual um golpe de estado.
Mas naquele domingo de abril, a Câmara dos Deputados cassou o mandato de uma
presidente eleita, e numa quarta-feira de agosto o Senado confirmou a cassação.
E pela 2ª vez desde o final da Ditadura Militar, o Brasil aplicou um
dispositivo jurídico em cargos do executivo. E sancionou, “dentro da legalidade”,
um golpe de estado.
O autor do livro, Javier Cercas,
escreve que “o fato [do golpe de 23 de fevereiro de 1981] ter sido gravado é ao
mesmo tempo a garantia da sua realidade e a garantia da sua irrealidade”.
Naquele dia de abril eu me sentia exatamente assim, presenciando uma cena que,
pelo contexto, beirava o surreal. Em agosto, veio o mal-estar. A sensação ruim,
o gosto amargo na boca. Nada mudou, pelo contrário: continua o nojo por tudo, a
ojeriza à qualquer discussão infrutífera. E a certeza de que aquela cagada
ainda vai feder no banheiro por muito tempo.
Às vezes, a gente precisa de uma
analogia para entender alguma coisa. Outras vezes, uma comparação. Esse livro
funcionou para mim como uma comparação entre duas situações – Brasil e Espanha –
e como uma analogia que criamos para tentar explicar algo complexo. Porque
explicar o que aconteceu ano passado não é tarefa simples, mas aprender sobre o
23 de fevereiro pode nos ajudar a esclarecer algumas coisas. A primeira delas é
que sim, foi golpe.
"...a garantia da sua realidade e da sua irrealidade" Só por esse trecho já é possível entender as semelhanças! Não conheço a história desse golpe. Vou pesquisar! É incrível como a história é cíclica mesmo com quase 40 anos de evolução tecnológica.
ResponderExcluirCarol, o livro é f&$a!! Os primeiros capítulos então, meu Deus!! É pra ler cada linha, parar e refletir. Vale super a pena!! Sobre a história ser cíclica, já dizia Marx: a História se repete. A primeira vez como farsa, a segunda como tragédia. Beijos!
ResponderExcluirParabéns Lolô!
ResponderExcluirBelo texto!