Para ler ouvindo – OneRepublic,
“I lived”
With every broken bone
/ I swear I lived
Dizem que todo corredor tem uma
prova favorita. Aquela corrida que, sempre que abrem as inscrições, o coração
dá uns pulinhos e você logo quer se inscrever. Quem gosta de correr e
participar de corridas de rua, tem sempre uma “prova-alvo” em mente – é como
chamamos o objetivo do treinamento: participar daquela corrida.
No meu caso, é uma cidade
favorita para correr.
Desde que fui ao Rio de Janeiro
pela primeira vez, há 6 anos, prometi a mim mesma que, sempre que possível, eu
daria um jeito de correr naquele lugar. Nessa mesma viagem, eu decidi que minha
primeira meia-maratona seria na Cidade Maravilhosa. Alguns meses depois, lá
estava eu para correr 21km pela primeira vez. E foi incrível!
Consegui correr uma meia-maratona
no Rio de Janeiro por três anos consecutivos, 2 vezes no mesmo trajeto. Adquiri
uma familiaridade com a orla da Zona Sul que só quem corre nela pode ter. Fui
melhorando os tempos, me sentindo cada vez mais confortável com distância. Até
que em outubro de 2014, fraturei a clavícula num acidente de bicicleta.
Quando fui atropelada a caminho
do treino de bike, meus primeiros pensamentos foram: “preciso avisar meus
treinadores” e “estava atrasada pro treino”. Depois, já no hospital, com o
diagnóstico confuso e sem ninguém sabendo direito quanto tempo eu ia demorar
para me recuperar totalmente, pensei “não vai rolar o revezamento no autódromo
de Interlagos”. É, o esporte fazia parte da minha rotina e eu não estava
sabendo como lidar com a sua ausência. Até que alguém escreveu pra mim que entendia,
que ficar afastada do trabalho era chato, que a quebra da rotina era um
problema, mas que ruim mesmo era não poder praticar meu esporte.
A recuperação da fratura e o
reinício dos treinos ocorreram quase simultaneamente. Voltar para São Paulo,
voltar a trabalhar e retomar a rotina também foi parte desse processo. Eu
aprendi que não dava pra ser tudo-ao-mesmo-tempo-agora, como eu queria. Tinha
que ser um passo de cada vez. Às vezes, meu corpo ia me avisar que não tava
rolando - as dores que se tornaram companheiras – em outras ele me ajudava pedindo
que eu experimentasse outras formas de movimento – e assim surgiu a paixão pelo
Pilates. Aos poucos, eu voltei a pensar em quais seriam os próximos desafios na
corrida.
Corri a Volta a Ilha, fiz provas
de 10, 15km... Mas a corrida não ocupava mais o centro. O importante era me
recuperar – e bem! Andei algumas vezes na bike, cumpri religiosamente as
sessões de fisioterapia e fui assídua no Pilates. Voltei a correr, porém
pensando mais no meu bem-estar do que em performance, em quebra de recorde
pessoal. E nesse processo, comecei a ter uma relação com meu esporte que deu à
ele sua devida importância: se tornou um meio, e não um fim.
Com isso, me senti pronta pra ir
adiante e tentar fazer outras coisas. Não apenas na corrida, mas na vida
também. Me arrisquei no trabalho, mudei meus objetivos de estudo, e posso dizer
que até o estado civil foi alterado. Quando chegou a vez do esporte, não tinha
mais dúvida: se eu queria fazer algo novo, que fosse no Rio de Janeiro.
E assim, me preparei para correr
32km na Maratona do Rio. “Oi, como assim? A Maratona não tem 42.195?” É, só que
eu quis fazer algo novo, diferente. Quis fazer por mim. Ajustei os treinos, a
dieta e a rotina, e assim foi. No dia, saí junto com o pessoal da Maratona, corri
a maior parte do percurso, e parei na placa do km32. Não peguei medalha, não
comi a batata nem tomei a coca-cola sem gás. Mas cumpri meu objetivo feliz da
vida, com a consciência tranquila de que aquilo era o que eu queria ter feito.
“Mas não dava pra chegar até o final?” alguns perguntaram. Não, não dava. Minha
linha de chegada era onde meu coração me pediu pra parar.
O engraçado é que depois não teve
“férias” ou aquele sentimento de que “e agora, o que eu faço?”. Depois, vieram
outros desafios, mais acadêmicos, intelectuais. Ausência nos treinos também,
por que não? A vida apresenta outras provas e desafios, e assim, a gente vai
escolhendo o que quer fazer ou não.
Na preparação pros “32 no Rio”,
rolou muita leitura sobre corrida, além dos treinos, é claro. Encarar longas
distâncias envolve se preparar mentalmente também – vão ser muitos kms tendo a
si mesmo como companhia. Quando voltei a correr pós-fratura, prometi a mim
mesma que ia tentar me livrar da música enquanto corria. Consegui, até certo
ponto (na esteira não rola sem!). Descobri que não é preciso ser radical, ser
flexível faz bem.
Li “50/50”, o livro de Dean
Kanazes sobre seu desafio de correr 50 maratonas em 50 dias, uma em cada Estado
Norte-Americano. A rotina, as dicas, tudo me ajudou no meu próprio desafio. Foi
uma leitura prazerosa, e até divertida, quando percebi que nem sempre meus
treinos fluíam como eu gostaria, e nem as provas de Karnazes saíam sempre
dentro do planejado. Durante a prova, eu me lembrava que tinha escolhido estar
ali, correr aquela prova. Que aquela tinha sido uma opção minha, e que sendo
responsável por ela, tive que fazer escolhas para estar ali.
O ombro quebrado me ensinou a
fazer essas escolher sem ter peso na consciência de que “não estou conciliando
tudo”. A recuperação se transformou num processo de autoconhecimento – e esse,
não vai ter fim. Saber o que você quer ser, o que quer fazer, e ficar em paz
com suas escolhas não é fácil. Mas a vida, os livros, e a corrida me ajudam
sempre.
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