domingo, 30 de setembro de 2012

Voyages


Viajar no fundo
É ver que é igual
O drama que mora 
em cada um de nós 

Eles chegaram. Há cerca de duas semanas atrás, meus guias de Portugal que estavam com um amigo voltaram para minhas mãos. E foi como se eu passasse por todos os lugares neles indicados mais uma vez. No de Lisboa, sinais como checks, carinhas e comentários me lembravam cada lugar em que estive. O do país, com suas infinitas orelhas coloridas, mostrava a viagem que tinha feito antes mesmo de sair do Brasil. E por fim, o mapa rodoviário do Alentejo, quando eu realmente pus o pé na estrada.

Com eles, aos poucos uma pequena (na verdade, minúscula) parte da estante vai se avolumando: a dos guias de viagem. Acredito ser a parte mais íntima, pessoal e particular, dos livros que estão nas estantes. Guias de viagem, de museus, de exposições, catálogos de acervos, revistas de programação cultural: resquícios em papel dos lugares onde estive, daquilo que vi e conheci. A exposição das trajetórias de viagem – o que de concreto, nesse caso em papel, fica da experiência de se deslocar à um outro lugar. E no caminho, encontrar com si mesmo.

Os meus guias são de lugares onde estive. Compro-os pouco antes de partir, numa tentativa de preparar-me para o que virá. Mas nunca dá certo. A vida, a viagem, se encarregam de me surpreender. Guia nenhum fala da beleza que é aterrizar no aeroporto Santos Dumont num fim de tarde. Da travessia entre Buenos Aires e Colônia do Sacramento, que me fez entender a disputa pelo Rio da Prata. Ou ainda, de como o Alentejo é Minas Gerais em Portugal, e por isso lá me senti em casa. Os guias apontam lugares, dão sugestões. Mas o roteiro cada um faz o seu. Os caminhos estão lá, mas a decisão de transitar por eles é pessoal e intransferível.

Como explicar esse sentimento que nos leva a viajar? Talvez, nas palavras de Caio Fernando Abreu, “quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real?” E aí a gente, que se sente sempre em devir, de repente cessa o movimento: partiu.
Dentre as metáforas possíveis entre vida e viagem, a partida talvez seja uma das mais significativas: encerrar ciclos ou começas novas jornadas. Estamos sempre nesse movimento.

Nos últimos dias, alguns acontecimentos me fizeram refletir sobre a duração das experiências e sua transitoriedade: um professor que se aposenta depois de 35 anos de sala de aula; o final da participação no Conselho Editorial de uma Revista científica; e a remoção (compulsória) para outra unidade escolar. Exemplos de encerramento de etapas mas também início de outras. Não que a vida seja isso, uma sucessão de objetivos a serem cumpridos, obstáculos a serem vencidos. Pensando nos livros, é como disse Drummond: a vida é indivisível em capítulos, a não ser pelos romancistas.

Sim, viver é viajar. E tento sempre internalizar as experiências adquiridas em viagens, como se as impressões vividas precisassem ser armazenadas em um lugar mais seguro que apenas a memória. Em alguns casos, guardadas em papel na estante, para serem revividas sempre que preciso for. Os guias de Portugal me lembraram da frase de Saramago (sempre ele!) estampada numa das sacolas retornáveis que trouxe de lá: "Esta viagem a Portugal é uma história. História de um viajante no interior da viagem que fez".

Com isso, despeço-me temporariamente deste espaço. É hora de terminar a viagem que comecei há quase três anos atrás. Encerrar um ciclo que teima em não acabar. Viajar dentro daquilo que já pesquisei, que acumulei nesse período. E o resultado dessa viagem será sim, obrigatoriamente, impresso no papel.


p.s: Nelson, espero que os guias tenham sido úteis! =)

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