Reencontrar pessoas pode despertar as mais diversas sensações. Estranhamento, quando não se vê há algum tempo. Familiaridade, se o tempo decorrido desde a última vez parece não ter passado. E até mesmo curiosidade, caso a distância (seja ela temporal ou geográfica) tenha contribuído para tornar aquele ser interessante.
Com os livros também acontece algo parecido: uma lombada diferente ou não vista até então, que de repente atrai. Ou o brilho nos olhos ao ver uma nova edição de uma obra clássica, e o conforto que vem de reconhecer algo anterior. Mas nada supera o frisson de uma edição especial em mãos – mistura dessas várias sensações.
Pobre mortal que sou, conto nos dedos o que seriam consideradas “edições especiais” presentes em meu acervo. O objeto-livro, uma edição especial, que me inspirou nessa reflexão foi um empréstimo. Esse é um tema recorrente nos posts do blog, a mobilidade dos livros. E como todo bom tema, permite um pouco mais: ao pensar sobre empréstimo de livros, podemos ir além da relação entre livros e seus donos, e chegar mais perto de outra questão: a relação entre as pessoas. Nesse caso, mediada pelos livros.
Tive em mãos um pequeno livro publicado pela EDUSP, em comemoração aos 20 anos e ao milésimo título da editora. Pequeno no sentido físico e também no literário. É um texto chamado O Livro, de Jorge Luis Borges, excerto de uma outra obra. É curto, de leitura rápida, e a primeira associação que fiz foi “é quase um instantâneo”. Curiosamente, o formato da publicação tem o tamanho padrão da revelação de fotografias: 10X15.
No texto, Borges defende o livro como o mais espetacular dos instrumentos utilizados pelo homem. E logo no começo, rechaça o que seria o leitmotiv deste blog: “Os livros não me interessam fisicamente – sobretudo os livros dos bibliófilos, que costumam ser volumosos – mas, sim, as diversas valorações que deles se têm feito.”
Bom, quem sou eu para discordar de Jorge Luís Borges. No entanto, depois de lido todo o texto, o que parecia uma discordância fundamental parece pontos de vista. E no fim, o apreço pelos livros legitima as diferenças de percepção do objeto.
Ele mostra como os antigos não tinham nosso culto ao livro, visto apenas como substituto da palavra oral. Lembra como os grandes mestres da antiguidade eram curiosamente mestres da oratória, e pouco deixaram por escrito por vontade própria. Nossa veneração à palavra escrita teria começado justamente nesse sentido, o religioso. O conceito de livro sagrado mudou a relação com a oralidade, valorizando o que estava escrito em detrimento do que era “apenas” falado. E a partir daí, outras crenças se sucederam em relação aos livros, como a de que cada país é representado por um livro ou autor.
Mas para Borges, o principal é o ato de ler: “Creio que reler é mais importante do que ler, embora para se reler seja necessário já se haver lido.” Pela maneira com que esse livro me chegou em mãos, acho que o mesmo pode ser dito às pessoas: reecontrar talvez seja mais importante do que conhecer. E se para ele “o livro é lido para eternizar a memória”, acredito que no fim, o que é guardado na memória são as pessoas, ou aquilo que nos leva à pensar nelas.
Em determinado momento do texto, Borges fala da fluidez da leitura. Cita Montaigne, para quem a leitura é uma forma de felicidade, e como o conceito de leitura obrigatória é falso. Ler um livro não deveria nunca ser uma obrigação, nem exigir tanto custo. Ao demandar empenho de seu leitor, Joyce teria falhado em sua missão como escritor. Para Borges, a literatura é uma forma de alegria. E afirma: “Um livro não deve exigir esforço; a felicidade não deve exigir esforço.”
Giorgio Agamben, em Profanações, diz que “Só a felicidade que nem sonharíamos merecer é realmente merecida.” Parece que tanto a literatura quanto o tentar ser feliz deveriam ser mais simples do que são. As surpresas da (re)leitura de um livro ou de um (re)encontro talvez sejam como essa felicidade de Borges e Agamben: não dependem de esforço ou de merecimento, simplesmente existem.
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