quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Viver não dói

Para ler ouvindo: http://youtu.be/MC8QcaMMVQE

Fui liberada para fisioterapia. Exatos 42 dias após a cirurgia, conforme previsto pelo médico, meu corpo cumpriu sua parte no trato e consertou que estava estragado, com uma pequena ajuda humana/mecânica. Ficaram as marcas externas do intervenção cirúrgica - aka cicatrizes - e o lembrete interno em aço cirúrgico - que não pretendo remover, apesar de me ter sido oferecida essa opção. Nesse processo, descobri que se algum dia me interessasse por medicina, é na ortopedia que seria minha residência. A semelhança do ortopedista com o profissões da construção civil me fascinou - o corpo é, sim, uma grande obra.

A dor é inevitável, o sofrimento é opcional. Essas palavras de um poema de Carlos Drummond de Andrade nunca fizeram tanto sentido concretamente. Aprendi que a dor faz parte, sim, do processo de recuperação pós-cirurgico, funcionando até mesmo como uma limitação natural dos movimentos - como se o corpo já soubesse do terrorismo feito pelo médico para que eu me imobilizasse corretamente. Mas a analgesia, como disse um amigo, também faz parte do processo, assim como o aprendizado que não temos que aguentar tudo de cara limpa, e muito menos sozinhos. Na verdade, a solidão é inerente à recuperação física: ninguém pode melhorar no seu lugar. O esforço é único e exclusivamente do paciente - que tem que ter, como o próprio nome diz, paciência. Mas se existe apoio de amigos e familiares, todo o processo é mais leve. E acredito que também seja mais rápido.

Essa é, com certeza, a grande lição de qualquer doença: o tempo cura tudo. E arrisco dizer que o que o tempo não cura, é por que não está pronto para ser encerrado. O corpo humano, essa máquina que incrível em que habitamos, é capaz de se curar e se restabelecer de uma forma impressionante! Sim, esse processo pode deixar vestígios. Cicatrizes, por exemplo, são sinais externos do que se passou do lado de dentro. Mas às vezes, os machucados são tão profundos que não deixam marcas aparentes - e podem, também, não estar completamente cicatrizados.

Nesse período de "convalescência", coloquei uma parte da leitura em dia - a não-acadêmica, é claro. Devorei romances, autoajuda, tudo que me caía nas mãos e pudesse aplacar um pouco as dores, tanto as físicas quanto as da alma. Com o passar dos dias, percebi que a recuperação física era uma coisa, a emocional era outra. O movimento vai retornando aos poucos, a liberdade junto. Mas a coragem para enfrentar o que aconteceu e superar o trauma não vem com as sessões de fisioterapia. A cicatriz está presente, mas o verdadeiro machucado não é aparente.

É essa coragem o grande tema do livro que dá título à esse post: para viver, é preciso coragem. Os capítulos são leves, recheados de histórias e exemplos sobre a vontade de viver a vida, de aproveitar o tempo. Claro, a dor virá. Ela é inevitável, como disse o poeta. Mas é ela que traz o sinal da experiência, a certeza de ter vivido. Para a autora, "não viver dói mais, porque nos condena ao nada". Quando perguntei ao meu pai como iria conseguir fazer de novo aquilo que gosto, sem lembrar da dor e do sofrimento, ele disse "vai depender da sua paixão, da sua vontade em continuar. Aí, minha filha, Nossa Senhora pega na mão e diz 'vai'!". Meu pai nunca leu os livros da Leila Ferreira, mas compartilha de sua mineiridade - aquele jeitinho que, para minha alegria, ando convivendo de perto nos últimos meses.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Reflexões de Um Ano Sísifo

Quando criei o blog, defini que não iria escrever ou comentar sobre nenhum livro. Eles aqui são entendidos como objetos de estudo e admiração, e não a partir da narrativa /história que contém. Escrevia os posts variando temas e assuntos, demorando mais do que deveria para publicá-los, sem a regularidade que um blog "exige", mas sempre ao redor desses blocos mágicos de papel encadernado que me fascinam desde sempre.
Pelo menos foi assim até o último dia 14/10, quando um acidente mudou todos o meus planos. Alguns tive que adiar, outros cancelar e até mesmo abrir mão. E esse processo foi (e está sendo) tão doloroso quanto recuperar-me da cirurgia necessária após o acidente. Mais do que a paciência que um paciente deve ter, resiliência é a maior lição que aprendi nesses últimos dias.
Há algum tempo (prefiro não tentar contabilizar para evitar constrangimentos) adquiri os três volumes dos diários de Edgar Morin, publicados pela editora do SESC. Tinha decidido aventurar-me pelos escritos do pensador francês, indo além dos textos sobre educação lidos durante a faculdade, e os diários me pareceram uma forma mais intrigante de aproximar-me dessa figura, conhecida em todo o mundo por sua cultura e erudição.
Talvez eu não devesse ter começado a ler por "Um Ano Sísifo". Triste prenúncio de que meu próprio ano seria assim, uma sucessão de tentativas que fracassaram. Mas por algum motivo desconhecido o ano de 1994 me atraiu, e eu comecei a ler os relatos pessoais de Morin pelo ano que ele próprio considera infrutífero. Na verdade, eu ainda não terminei de lê-lo, mas como esse blog não prima pelas resenhas literárias, me dou a liberdade de comentar antes de terminada a leitura.
Para os historiadores, o tempo é uma unidade de medida imprescindível, apesar de controversa. O que é um ano na duração dos impérios? O que é um dia na vida de um rei? Sim, talvez seja pouco se apreendidos no todo - Roma não foi construída em um dia. Mas foi no ano 476 que os Hunos a invadiram, e foi em primeiro de novembro de 1755 que Lisboa foi atingida pelo grande terremoto. Os acontecimentos têm seu registro no tempo, e só esse define o que fica ou não marcado na História.
Ler o diário de Morin  é deparar-me com fatos e acontecimentos de minha própria história, narrados por outra pessoa. Seu comentário sobre o acidente de Ayrton Senna, ou sobre o acordo de paz entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin fizeram parte do meu ano de 1994. A sensação de compartilhar a lembrança dos acontecimentos mostra que estes se tornaram parte da memória coletiva, e que aquele ano, apesar de falho na concretização dos projetos pessoais de Edgar Morin, foi bastante frutífero em marcos históricos
Talvez 2014 também será assim: um ano sísifo para mim, em que por mais que levasse a pedra morro acima, ela insistia em voltar para baixo. Mas, quem sabe? O ano - e a leitura do Diário - ainda não acabaram. 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Toujours les livres

Hoje, dia 23 de Abril, é o Dia do Livro. E apesar deste blog estar (aparentemente) esquecido, a data não passou em branco. Recebi vários e-mails (mala-direta) de livrarias, vi anúncios de promoções em toda página que entrava (malditos cookies que guardam o que pesquiso!). Parece que qualquer comemoração é justificativa para consumo.

E nessa onda “compre batom... compre batom...” (só os fortes vão entender!) pensei no último livro que comprei: La Petite Fille de Monsieur Linh[1].  Leitura obrigatória do curso de francês desse semestre, parece-me um romance bonitinho. Digo parece, porque ainda não o li. Como assim? Pois é. Se tenho até o fim do curso, então não há motivos para apressar a leitura. Coloco-o na bolsa, e fico aguardando uma furtiva oportunidade para leitura.

A verdade é que quando a gente faz do estudo profissão/lazer/leitmotiv, não há um só momento em que não estejamos acompanhados de um livro. Há alguns anos fui encontrar um amigo em Belo Horizonte para resolver uma pendência burocrática. Uma das primeiras perguntas que ele me fez foi “deixe-me ver o que está lendo”. Lembro que fiquei espantada – como ele sabia que eu tinha um livro na bolsa? Sim, talvez a viagem de 2 horas de ônibus ficaria mais agradável com uma leitura. Mas não era por isso. Ele simplesmente sabia que eu sempre estaria acompanhada de um.

Ambas as vezes que viajei para fora do país (a Argentina não conta, certo?) foi para estudar. Fazer uma parte da pós-graduação e, mais recentemente, aperfeiçoamento em uma língua estrangeira. Na volta, meu maior orgulho eram os livros trazidos na mala. Possuí-los dava uma sensação de dever cumprido: a viagem não foi em vão. Curiosamente, o mesmo sentimento acontece quando visito a casa dos pais – uma mala sem livros não faz sentido algum.

Escrevo pensando na companhia constante que eles oferecem em meus deslocamentos constantes. Seja a leitura no metrô, os PCN’s a caminho do trabalho, ou ainda o Guia França da Publifolha: como boa romântica, impossível pensar em uma viagem sem carregar um bom livro junto - e um caderno para anotações. E como disse Santo Agostinho: “O mundo é um livro, e aqueles que não viajam lêem somente uma página.” Então, bon voyage mes amis!



[1] http://fr.wikipedia.org/wiki/La_Petite_Fille_de_Monsieur_Linh