É ver que é igual
O drama que mora
em
cada um de nós
Eles
chegaram. Há cerca de duas semanas atrás, meus guias de Portugal que estavam
com um amigo voltaram para minhas mãos. E foi como se eu passasse por todos os
lugares neles indicados mais uma vez. No de Lisboa, sinais como checks,
carinhas e comentários me lembravam cada lugar em que estive. O do país, com
suas infinitas orelhas coloridas, mostrava a viagem que tinha feito antes mesmo
de sair do Brasil. E por fim, o mapa rodoviário do Alentejo, quando eu
realmente pus o pé na estrada.
Com eles, aos
poucos uma pequena (na verdade, minúscula) parte da estante vai se avolumando:
a dos guias de viagem. Acredito ser a parte mais íntima, pessoal e particular,
dos livros que estão nas estantes. Guias de viagem, de museus, de exposições,
catálogos de acervos, revistas de programação cultural: resquícios em papel dos
lugares onde estive, daquilo que vi e conheci. A exposição das trajetórias de
viagem – o que de concreto, nesse caso em papel, fica da experiência de se
deslocar à um outro lugar. E no caminho, encontrar com si mesmo.
Os meus
guias são de lugares onde estive. Compro-os pouco antes de partir, numa
tentativa de preparar-me para o que virá. Mas nunca dá certo. A vida, a viagem,
se encarregam de me surpreender. Guia nenhum fala da beleza que é aterrizar no
aeroporto Santos Dumont num fim de tarde. Da travessia entre Buenos Aires e
Colônia do Sacramento, que me fez entender a disputa pelo Rio da Prata. Ou
ainda, de como o Alentejo é Minas Gerais em Portugal, e por isso lá me senti em
casa. Os guias apontam lugares, dão sugestões. Mas o roteiro cada um faz o seu.
Os caminhos estão lá, mas a decisão de transitar por eles é pessoal e
intransferível.
Como
explicar esse sentimento que nos leva a viajar? Talvez, nas palavras de Caio
Fernando Abreu, “quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa
de ser metáfora e passa a ser real?” E aí a gente, que se sente sempre em
devir, de repente cessa o movimento: partiu.
Dentre as
metáforas possíveis entre vida e viagem, a partida talvez seja uma das mais
significativas: encerrar ciclos ou começas novas jornadas. Estamos sempre nesse
movimento.
Nos últimos
dias, alguns acontecimentos me fizeram refletir sobre a duração das
experiências e sua transitoriedade: um professor que se aposenta depois de 35
anos de sala de aula; o final da participação no Conselho Editorial de uma
Revista científica; e a remoção (compulsória) para outra unidade escolar. Exemplos
de encerramento de etapas mas também início de outras. Não que a vida seja
isso, uma sucessão de objetivos a serem cumpridos, obstáculos a serem vencidos.
Pensando nos livros, é como disse Drummond: a vida é indivisível em capítulos,
a não ser pelos romancistas.
Sim, viver
é viajar. E tento sempre internalizar as experiências adquiridas em viagens, como
se as impressões vividas precisassem ser armazenadas em um lugar mais seguro
que apenas a memória. Em alguns casos, guardadas em papel na estante, para
serem revividas sempre que preciso for. Os guias de Portugal me lembraram da
frase de Saramago (sempre ele!) estampada numa das sacolas retornáveis que
trouxe de lá: "Esta viagem a Portugal é uma
história. História de um viajante no interior da viagem que fez".
Com isso, despeço-me temporariamente deste espaço. É hora de terminar a
viagem que comecei há quase três anos atrás. Encerrar um ciclo que teima em não
acabar. Viajar dentro daquilo que já pesquisei, que acumulei nesse período. E o
resultado dessa viagem será sim, obrigatoriamente, impresso no papel.
p.s: Nelson, espero que os guias tenham sido úteis! =)