Quando criei o blog, defini que não iria
escrever ou comentar sobre nenhum livro. Eles aqui são entendidos como objetos
de estudo e admiração, e não a partir da narrativa /história que contém.
Escrevia os posts variando temas e assuntos, demorando mais do que deveria para
publicá-los, sem a regularidade que um blog "exige", mas sempre ao
redor desses blocos mágicos de papel encadernado que me fascinam desde sempre.
Pelo menos foi assim até o último dia 14/10,
quando um acidente mudou todos o meus planos. Alguns tive que adiar, outros
cancelar e até mesmo abrir mão. E esse processo foi (e está sendo) tão doloroso
quanto recuperar-me da cirurgia necessária após o acidente. Mais do que a
paciência que um paciente deve ter, resiliência é a maior lição que aprendi
nesses últimos dias.
Há algum tempo (prefiro não tentar contabilizar
para evitar constrangimentos) adquiri os três volumes dos diários de Edgar
Morin, publicados pela editora do SESC. Tinha decidido aventurar-me pelos
escritos do pensador francês, indo além dos textos sobre educação lidos durante
a faculdade, e os diários me pareceram uma forma mais intrigante de
aproximar-me dessa figura, conhecida em todo o mundo por sua cultura e
erudição.
Talvez eu não devesse ter começado a ler por
"Um Ano Sísifo". Triste prenúncio de que meu próprio ano seria assim,
uma sucessão de tentativas que fracassaram. Mas por algum motivo desconhecido o
ano de 1994 me atraiu, e eu comecei a ler os relatos pessoais de Morin pelo ano
que ele próprio considera infrutífero. Na verdade, eu ainda não terminei de
lê-lo, mas como esse blog não prima pelas resenhas literárias, me dou a
liberdade de comentar antes de terminada a leitura.
Para os historiadores, o tempo é uma unidade de
medida imprescindível, apesar de controversa. O que é um ano na duração dos
impérios? O que é um dia na vida de um rei? Sim, talvez seja pouco se
apreendidos no todo - Roma não foi construída em um dia. Mas foi no ano 476 que
os Hunos a invadiram, e foi em primeiro de novembro de 1755 que Lisboa foi
atingida pelo grande terremoto. Os acontecimentos têm seu registro no tempo, e
só esse define o que fica ou não marcado na História.
Ler o diário de Morin é deparar-me com
fatos e acontecimentos de minha própria história, narrados por outra pessoa. Seu comentário sobre o acidente de
Ayrton Senna, ou sobre o acordo de paz entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin
fizeram parte do meu ano de 1994. A sensação de compartilhar a lembrança dos acontecimentos
mostra que estes se tornaram parte da memória coletiva, e que aquele ano,
apesar de falho na concretização dos projetos pessoais de Edgar Morin, foi
bastante frutífero em marcos históricos
Talvez 2014 também será assim: um ano sísifo
para mim, em que por mais que levasse a pedra morro acima, ela insistia em
voltar para baixo. Mas, quem sabe? O ano - e a leitura do Diário - ainda não
acabaram.