Há algum tempo atrás, uns amigos colocaram em seus murais do Facebook um link que remetia à uma lista das mais fantásticas bibliotecas do mundo. De fato, eram lugares impressionantes. Pode-se dizer que essas listas “top-something” são negativas, pois escolhem alguns lugares em detrimento de outros, elegem “os mais”, sendo que muitas vezes quem elaborou não conhece (ainda, desejo-lhes) muitas outras bibliotecas.
No caso dessa lista que mencionei, não havia um ranqueamento de bibliotecas, nem um recorte dos lugares que apontasse algum critério de seleção. Era apenas uma reunião de bibliotecas fantásticas pelo mundo que alguém resolveu compartilhar – o que pra mim foi interessante. Pude ver lugares incríveis e comentar, no mural dos amigos, que alguns daqueles lugares iam receber minha visita em breve.
Bom, nem tudo acontece como se imagina. Acabei não indo às duas bibliotecas da lista que disse que iria conhecer: a Biblioteca da Universidade de Coimbra, em Portugal, e a biblioteca da Universidade de Salamanca, na Espanha. Para dizer a verdade, na Espanha eu nem mesmo cheguei à entrar numa biblioteca (livraria de Museu não conta, certo?)
Mas o destino tem dessas coisas que a gente não prevê... Conheci outras bibliotecas que me fascinaram tanto quanto as duas que tinha pensado em visitar. E que talvez, justo por ser inesperado, foi fascinante.
A primeira instituição que visitei para pesquisar no tour ibéria foi a Biblioteca Nacional de Portugal. Impressionante. Um edifício de linhas simples e claras, com algum ornamento no exterior apenas para ressaltar o que tem dentro: a maior coleção de livros do país. As fotografias à esquerda da sala de referência são das obras da torre ao fundo, em fase de finalização. Lembram a grandiosidade da instituição e sua necessidade de estar sempre em ampliação. Defeito? Não ter acesso aos livros nas estantes. O pedido é feito e você recebe o livro no lugar em que está sentado. Uma pena, já que andando pelos corredores das bibliotecas é que encontramos “imprevistos”.
Depois, no meu primeiro final de semana em Lisboa, fui levada por uma amiga ao Convento de Mafra, e visitamos sua maravilhosa biblioteca. Eu não acreditei quando me explicaram o mecanismo de conservação: morcegos frutíferos comem as traças e outras coisas que deteriorariam os livros, e ventilam o ambiente por viverem no exterior. Fantástico!
Nesse mesmo dia, fizemos um tour “barroco”: começamos pelo lugar que inspirou “Memorial do Convento”, de José Saramago. Passamos pelo Aqueduto das Águas Livres, na volta à cidade. E depois a Igreja de São Roque, com sua maravilhosa capela de São João Batista – todos monumentos encomendados por D. João V, o rei que teve a sorte de governar Portugal quando sua maior colônia descobriu minas de ouro. Durante a estadia na terrinha, tentaram me convencer que “nem tanto ouro foi explorado assim...”. Em vão. Saí de lá com ainda mais certeza de a colônia fez a glória da metrópole.
Depois, por feliz curiosidade e instinto (encontrei lá coisas incríveis!), fui pesquisar da Biblioteca da Ajuda – o lugar mais frio de Lisboa. Linda, super organizada, e com atendentes muito atenciosas. Quando penso no Palácio da Ajuda, e no Real Monasterio de San Lorenzo El Escorial, agradeço pelos monarcas ibéricos terem o costume de construírem ao lado de seus palácios bibliotecas maravilhosas, com muitas obras, mesmo que fosse apenas para seu deleite pessoal. Afinal, todo monarca é um grande mecenas das artes e das letras.
Por fim, o Alentejo, e a visita à duas bibliotecas tão diferentes uma da outra como um vinho do Porto e um Eugenio Almeida . A Biblioteca Pública de Évora, com os cimélios, seu acervo do século XVIII, a sala de leitura mais aconchegante que já estive, e funcionários tão doces quanto um Pão de Rala: o Sr. Chitas e a D.Jacinta. E a Biblioteca de Elvas com sua entrada peculiar. Por dentro, instalações modernas e bem acondicionadas – e a vista impressionante para o Forte de Santa Luzia. Essas duas Bibliotecas foram meus lugares de trabalho na expedição pelo Alentejo, além dos arquivos. Que lugar seria melhor para pensar sobre fronteiras?
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Durante 2 meses tive a oportunidade de conhecer bibliotecas impressionantes. Todas elas me causaram alguma emoção, e até me fizeram lembrar de outras que já conhecia – a Biblioteca Nacional de Portugal me lembrou a Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, por exemplo. Nas bibliotecas das universidades, eu sempre pensava na biblioteca Florestan Fernandes, da FFLCH-USP, minha celula mater. Voltar à ela semana passada foi como retornar à origem. Mas depois de conhecer tantas instituições, o único acervo de livros que eu queria ver era o meu próprio, pequeno e mal-arrumado, mas carinhosamente acumulado há muitos anos. Com a mudança para um novo endereço e os títulos acumulados com a viagem, é hora de começar a organizá-lo melhor. E quem sabe fazer o mesmo com algum outro acervo.