Mais uma viagem. Outra mala. Mais alguns livros.
Essa têm sido a rotina desde meados de agosto. É por isso que esse espaço está (aparentemente) abandonado. Na verdade, todos os deslocamentos me tem feito pensar, como nunca, sobre a vida e os caminhos que percorremos. A espera em aeroportos ou rodoviárias seria muito mais desgastante não fosse a companhia dos amigos– e na ausência desses, dos livros.
Entendam: não estou reclamando de viajar. Pelo contrário, têm sido uma grande oportunidade para refletir. “As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.” Não achei que esses versos de Fernando Pessoa, escritos na folha de rosto da agenda no começo do ano, seriam tão premonitórios.
Por que tantas viagens? Algumas, o motivo de sempre: visitar a família. Outras, um trabalho que acaba levando à lugares inéditos, contato com pessoas diferentes. Como disse uma amiga, ando um pouco jet-setter. A questão é que sempre voltamos diferente de uma viagem, quando nos dispomos a ver o outro. Talvez por isso esse post tenha uma característica mais introspectiva. Como canta Milton Nascimento, “Viajar, no fundo, é ver que é igual / O drama que mora em cada um de nós.”
Ver o outro – e a partir dele, enxergar a si mesmo. Acredito que esse seja o estranhamento provocado no contato com outras culturas. Em um primeiro momento, procuramos o que é parecido, para diminuir a sensação de estrangeiro. Mas depois, quando aceitamos as diferenças, é que a verdadeira experiência de viajar acontece. Experiência, como diz Jorge Larossa Bondía, é estar aberto para o que outro tem a nos mostrar e ensinar. E quem sabe, carregar isso por aí.
Ao sair de casa e ir para outro lugar, sou convidada (ou seria forçada?) a olhar para o que deixo pra trás – e para o que carrego comigo. Um amigo esses dias fez um comentário sobre certa fascinação das mulheres: “Eu não entendo essa tara por bolsas...” Acho que esse interesse feminino revela algo mais sutil. No fundo, procuramos a bolsa/mochila/mala capaz de carregar tudo que julgamos importante naquele momento. Por isso elas existem em diversos tamanhos e formatos: para se adequarem às nossas necessidades.
Mas o que é realmente necessário? Talvez, o tamanho da bolsa mostre uma certa incapacidade de seleção. Às vezes estamos, literalmente, carregando o mundo nas costas. Rodoviárias, aeroportos, pontos de ônibus – lugares de transição para outros destinos – são ótimos para perceber essa dinâmica. O apego material salta aos olhos. Não há nada tão desesperador quanto perceber que sua mala foi extraviada.
Bagagem é o nome do primeiro livro de Adélia Prado, poetisa de Divinópolis-MG (carinhosamente, minha cidade natal). Desde que me entendo por gente, versos de Adélia estão presentes em minha vida. Mas foi a partir de julho, quando ganhei um exemplar com uma linda dedicatória, é que suas palavras fizeram sentido pra mim. Na própria orelha do livro, a autora diz: “Bagagem era o que resumia, para mim, aquilo que não posso deixar ou esquecer em casa.”
O que dizer depois? Com a(s) palavra(s), Adélia Prado, no poema que abre o livro:
Com Licença Poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.